Toreador

Não é difícil perceber a razão pela qual se insere, aqui, uma das mais famosas árias do panorama operático --- https://www.youtube.com/watch?v=fOxDzDyLEMQ

domingo, 4 de outubro de 2009

SEM TOM NEM SOM

O documento, que segue, foi elaborado e enviado a Tribunal na data que acima apresenta. Mas não foi imediatamente colocado aqui, por razões de oportunidade.
Faço-o agora.

P. 201/05.5 TAPDL
2.º Juízo
Tribunal Judicial da Ribeira Grande


                                                                      M.ma Juíza de Direito
 
JOAQUIM MARIA BOTELHO DE SOUSA CYMBRON, arguido nos autos à margem referidos, notificado do despacho que converte em prisão subsidiária a multa que não pagou, ao abrigo do disposto na CEDH art. 6.º, n.º3, al. c), bem como do CPP art. 98.º, n.º1, mesmo antes de recorrer do ali decidido,

VEM DIZER:

  1. «(...) das suas condições socio económicas não foi possível apurar concretamente uma vez que não colaborou com o IRS para elaboração do relatório social para julgamento (...)».
  2. E este é o primeiro andamento de uma partitura nada sinfónica!
  3. V. Ex.ª insiste num tema já contraditado pelo arguido (fls. 161 e s. dos autos).
  4. As notas, que V. Ex.ª de novo aqui solta, são notas falsas.
  5. Soam mal aos ouvidos, porque lhes falta melodia.
  6. Ou noutros termos: estas notas não são notas falsas --- são fífias que deitam abaixo o mais robusto teatro!
  7. E que V. Ex.ª apenas tocou, porque resolveu pôr o ouvido mais à escuta para aquela banda, em lugar de prestar a devida atenção ao que poderia ter colhido da prova testemunhal oferecida pelo arguido, a qual foi completamente ignorada.
  8. «Alega o arguido que não pagou por falta de condições económicas para o fazer, mas nada alega sobre a sua situação económica, mas não apresenta qualquer prova, limitando-se a alegar que não paga por se encontrar patrimonialmente exaurido (...).»
  9. Busquemos se há alguma harmonia nesta miscelânea de sons:
  10. Então o arguido «nada alega sobre a sua situação económica», mas à frente o talento compositor de V. Ex.ª logo acrescenta --- «limitando-se a alegar que não paga por se encontrar patrimonialmente exaurido (...)»?
  11. Estas dissonâncias arranham os ouvidos do arguido!
  12. E assim chegamos ao último andamento:
  13. Como há-de o arguido fazer prova de facto negativo?
  14. A música deste concerto foi tocada num só tom: abafar o arguido!
  15. Se o arguido tem bens, o MP que os tivesse penhorado.
  16. Mas eles são em tanta quantidade que a execução por custas se extinguiu.
  17. Além disso, V. Ex.ª nesta mesma peça reconhece que «(...) não é viável a execução coerciva (...)»!
  18. Porque ergue agora a batuta e solfeja tão tristemente?
  19. O arguido não teme a prisão.
  20. Nem considera necessariamente desdouro, estar atrás de grades.
  21. O que interessa são os factos que levam a essa condenação.
  22. Na prisão só não entram uns quantos que por isso mesmo são dignos de dó.
  23. Entre esses, contam-se os magistrados --- judiciais e do MP --- por crime de prevaricação e denegação de justiça.
  24. Quando decidem contra direito, é sempre inconscientemente.
  25. Tal como sucedera com a queixosa nos autos.
  26. Ou com V. Ex.ª a julgar este caso.
  27. Às penas atribuíam-se três finalidades: ético-retributiva; de prevenção geral; e de prevenção especial.
  28. A primeira, diz-se, foi abandonada; restam as outras duas.
  29. A pena, que V. Ex.ª pretende aplicar ao arguido, não parece que cumpra a primeira finalidade: o caso é tão insignificante que não vai ser conhecido de ninguém.
  30. E quanto à última finalidade, está à vista que não serve de escarmento ao arguido.
  31. O arguido distingue-se dos magistrados principalmente porque se preza de ser responsável e ter consciência do que faz.
  32. Por isso, sabe que pode ter um comportamento condenável.
  33. Aí, será o primeiro a aceitar a repressão que tiver de sofrer, como penitência pelo mal praticado.
  34. Mas só nestas circunstâncias.
  35. O quadro dos autos mostra que só a finalidade ético-retributiva pode explicar a reacção tomada.
  36. É como dizer ao arguido: o castigo que te é infligido não constituirá exemplo para ninguém; não te servirá de emenda; mas hás-de pagar pelo mal feito!
  37. Sublime!
  38. E andam por aí umas almas apregoando que a teoria ético-retributiva é algo incompatível com a ideia de um direito penal ressocializante!
  39. O arguido há muito vem afirmando que há-de obrigar os órgãos actualmente imperantes às violências que comprometem.
  40. Vem-no afirmando e tem-no conseguido.
  41. Está à beira de o alcançar, de novo.
  42. Para que expressamente conste: V. Ex.ª ou qualquer outro poder na Terra nunca conseguirão dobrar o arguido, por maior que seja a prepotência usada!

Joaquim Maria Cymbron
 

Obs.: Foi concedido provimento ao recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, do despacho aqui atacado.

JMC