Quem é bobo e em que corte?
A assimilação entre corte de um soberano e tribunais é comum a várias línguas, entre elas, a nossa. Provém do tempo em que os Reis, no exercício do governo dos seus estados e senhorios, guardavam para eles, zelosamente, a prerrogativa de serem a última instância na administração da justiça.
A corte, como lugar onde se aplicava o Direito, foi uma realidade tão forte que os nossos monarcas, ao referir-se à Casa da Suplicação, lhe chamavam «a nossa corte», conforme rezam as antigas Ordenações do Reino. Essa ligação desfez-se e, no meio de nós, o termo corte, como equivalente a tribunal, apenas se manteve na Índia até mais tarde.
Respondendo à pergunta inicial, direi que a corte é o Tribunal Judicial de Ponta Delgada, o qual, à semelhança das cortes reais da Idade Média, conserva dentro dos seus muros um jogral conhecido como conde de Benavente.
As suas truanices não valem os anedotários clássicos vividos na barra dos tribunais, porque lhes falta a graça sadia que recheava aqueles. O que se vê é o ridículo tremendo a cobrir o bufão que as solta.
São infindáveis as suas chocarrices. E hão-de prosseguir enquanto ele, indolentemente, for arrastando a sua massa enorme pelas salas do pretório ilhéu. O bobo, entrajado nas roupagens de advogado, nem sabe Direito, nem se rala muito com isso. O que diz agrada à maioria da corte e isso basta-lhe. É um arlequim mal vestido, mas junto de alguns passa por sisudo.
Numa terra que foi berço de Frutuoso, discípulo de Soto nos claustros universitários de Salamanca, o qual pedia tempo para preparar as respostas às questões teológicas que o micaelense lhe colocava; a terra que deitou Bento de Góis, explorador e sábio, pois não se atravessa meia Ásia sem possuir largos conhecimentos científicos; a terra, enfim, onde nasceu e morreu Antero, o mestre genial do soneto, o artista da palavra que deslumbrou Michelet, a ponto de este dizer que Portugal continuava a ser um grande país vivo se lhe restassem quatro ou cinco homens como o autor das Odes Modernas, nessa formosíssima terra, a aura, que envolve o palhaço de meia-tigela, revolta e entristece porque é sinal indesmentível de impressionante declínio da cultura.
O elogio feito pelo historiador francês ao infeliz Antero terá sido mais um arroubo romântico de Michelet? Não sei. Do que estou certo é que a imagem de probidade e valia criada à volta deste conde de opereta, se não for uma acintosa mentira, é no mínimo um desgraçado equívoco.
13ABR08 (data originária)
Joaquim Maria Cymbron
Obs.: O bobo, no presente texto, é Carlos Melo Bento, várias vezes referido ao longo deste blogue, tendo recebido noutra peça a classificação que lhe cabe com maior propriedade. Sem esquecer mais esta!
JMC