Só recentemente tive acesso a uma edição do blogue Dizpositivo, onde se aborda a autodefesa em processo penal. Aí, vem a notícia da decisão do Comité dos Direitos do Homem (ONU), na qual se reprova o comportamento dos tribunais portugueses por negarem, a um cidadão nacional, o direito de se defender a si mesmo.
Seguem-se os comentários que são de uso nestes casos. E eu, com grande atraso, é certo, apresento-me também a dar opinião.
Julgo ter lido tudo o que, na página referida, diz respeito à matéria da autodefesa do arguido. Mas o comentário assinado por Jorge M. Langweg, que não sei quem seja, deixou-me boquiaberto.
São três as razões pelas quais ele se opõe ao direito de autodefesa do arguido. Vou reproduzi-las na íntegra:
«a) tal prejudica o seu direito a uma defesa efectiva, garantido pela Constituição da República Portuguesa: estando (emocionalmente) comprometido com uma determinada situação, muito dificilmente poderá assegurar a sua defesa em julgamento. Nessas condições, não poderá distanciar-se dos factos controvertidos em termos emocionais, de modo a poder delinear e executar uma estratégia de defesa eficaz;
b) estará a negar-se a esse arguido o direito ao silêncio, uma vez que é obrigado, enquanto 'defensor', a intervir no julgamento, contrainterrogando as testemunhas arroladas pelo Ministério Público, assistente e demandante cível, bem como interrogar as testemunhas por si arroladas e, no final, produzir alegações;
c) poderá configurar a prática de crime tipificado no art. 358.°, alínea b), do Código Penal (usurpação de funções), caso o defensor se arrogue, expressa ou tacitamente, a condição de advogado.»
Termina, aqui, a citação. E eu respondo pegando-lhe pela ponta final, passando depois às outras pretensas razões:
Dizer que o exercício da autodefesa pelo arguido «poderá configurar a prática de crime tipificado no art. 358.°, alínea b), do Código Penal (...), caso o defensor se arrogue, (...), a condição de advogado» é coisa que não lembra ao Diabo. Este entendimento coloca-nos perante um colossal erro de qualificação jurídico-penal, porque o arguido que tivesse a insensatez de se apresentar como advogado nesse acto, não o sendo, cometeria um crime, sim, mas esse crime seria o crime de falsas declarações, pelo menos, numa das respostas, a que estava obrigado pelo CPP art. 342.°, n.º 1, norma que a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto deixou intacta nesse segmento. O arguido nunca poderia praticar o crime de usurpação de funções, da mesma forma que o advogado, arguido e que a si mesmo se defendesse, não estaria a agir como advogado, mas sim como arguido usando de um estatuto que muitos, entre os quais eu me conto, gostaríamos de ver respeitado pelos tribunais portugueses.
Os argumentos usados na alínea b) não são menos surpreendentes. Afirmar, que ao consentir na pretensão, aqui em apreço, «estará a negar-se a esse arguido o direito ao silêncio (...)», é meter os pés pelas mãos, é uma cambalhota tal que, numa disciplina de ginástica de qualquer competição desportiva a valer, determinaria a eliminação de prova para aquele que a fizesse. O autor deste infeliz comentário reconheceu um direito --- o direito ao silêncio. Para, logo de seguida, reagir contra aquilo que ele chama a negação desse direito. Entretanto, esqueceu que isso ocorre por escolha do titular desse mesmo direito, direito que não declarou ser um direito indisponível. Valha-nos isso, porque efectivamente não é indisponível e, como tal, pode o seu titular renunciar a ele. De resto, o arguido, em qualquer momento do processo, pode remeter-se ao silêncio. Como os mandatários, que, observada a disciplina do tribunal, falam só no que querem e quando querem. As omissões intencionais também são estratégia. E desta estratégia não estaria impedido o arguido que exercesse a sua defesa. Quanto ao último ponto, que até foi o primeiro tratado pelo autor do comentário, sinto não poder replicar. Com efeito, quem foi capaz de verter tais despautérios, não estará apto a compreender a força da impugnação que eu lhe iria oferecer.
A terminar, adianto que não está nos meus propósitos assumir, directa ou indirectamente, a condição de advogado. Não tenho essa qualidade, assim como não possuo qualquer outro título jurídico. Sou apenas um estudioso apaixonado pelo mundo do Direito, fora do qual, aliás, não é possível viver. Recordando o grande mestre do soneto, que se sonhava cavaleiro andante, em busca do palácio encantado da Ventura, ao autor do comentário, cujo nome, vertido do alemão em português, dá --- caminho comprido ---a esse senhor, repito, sempre direi que se deite à estrada porque é longo o trajecto, que tem de percorrer, até conseguir a ventura de tocar o maravilhoso palácio do Direito!
Joaquim Maria Cymbron
Obs.: Este texto foi publicado, a 13SET07, no meu blogue MOVIMENTO LEGITIMISTA PORTUGUÊS, o único que eu tinha nessa altura. Pela sua natureza, o lugar dele é aqui. Por isso, se procedeu à transferência.
JMC