Toreador

Não é difícil perceber a razão pela qual se insere, aqui, uma das mais famosas árias do panorama operático --- https://www.youtube.com/watch?v=fOxDzDyLEMQ

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

VOLTA-SE O FEITIÇO CONTRA O FEITICEIRO


A narrativa, que segue, devia ser curta para corresponder ao que, se não foi o mais curto processo por mim vivido, foi certamente um dos mais curtos. Não tanto em tempo, como principalmente em diligências. Mas a sua complexidade obrigou a que me alongasse um pouco.
Foi breve o processo, nos termos referidos. Mas nem por isso deixou de estar carregado de sentido, e o seu desfecho mostra que a ânsia de obrigar os outros às violências que comprometem, ou às transigências que envergonham, é táctica que pode virar-se contra quem a preconiza.
Nada melhor que conhecer os passos do que foi a negação de uma acção judicial, apesar de se ter enfeitado com o nome dela.


P. 474/09.4 TARGR

Arguido: O signatário.


  1. A 20NOV09, na sequência de queixa-crime apresentada pela M.ma Juíza, em funções no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Ribeira Grande, foi instaurado o respectivo processo ao arguido.
  2. A 11DEC09, outro processo ao mesmo arguido, este movido pelo Ex.mo Procurador-Adjunto naquele mesmo juízo.
  3. Os autos foram remetidos à comarca de Ponta Delgada, e os processos acabaram apensos um ao outro.
  4. A 27MAI10 os autos vieram de Ponta Delgada para Coimbra.
  5. Porquê?
  6. O arguido foi informado de que tal decisão se devia ao facto de ser Coimbra o local onde vive o arguido.
  7. A ser isto verdade, não podemos deixar de reconhecer que é um motivo curioso, pois o arguido há trinta e dois anos que vive em Coimbra e, até então, a preocupação de colocar na comarca de Ponta Delgada os processos, nos quais ele era parte, foi uma constante em que se assistiu a um assinalável esforço nesse sentido por parte das autoridades judiciárias daquela comarca.
  8. O certo é que os autos vieram para Coimbra, mas foram  devolvidos à procedência em 03SET10.
  9. O DIAP de Coimbra não foi sensível ao propósito do MP de Ponta Delgada, e o mínimo que se pode dizer é que processualmente andou bem, sem cuidar agora das razões profundas que o determinaram, quaisquer que elas tenham sido.
  10. Regressados os autos a Ponta Delgada, o arguido convenceu-se de que iriam hibernar por ali até se atingir a prescrição do procedimento criminal.
  11. Inesperadamente, a 01JUL11, o arguido recebe uma notificação procedente do MP de Ponta Delgada, na qual lhe era participado que a M.ma Juíza do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Ribeira Grande desistia da queixa apresentada contra o arguido (fls. 76 v.).
  12. No uso de um poder conferido por lei, o arguido opôs-se a essa desistência (fls. 77), requerendo o prosseguimento normal dos autos.
  13. Entretanto, o Ex.mo Procurador-Adjunto desaparecia de cena sem deixar rasto.
  14. Os eventuais propósitos desta estranha atitude serão expostos mais adiante.
  15. Por ora, fiquemos com a M.ma Juíza de Direito:
  16. Ter-se-ia ela apiedado do arguido?
  17. A menos que estejamos perante uma clemente moderada, o arguido descrê da misericórdia de quem desiste de uma queixa quando essa pessoa não tem o mesmo impulso perante outra  correndo trâmites em Coimbra, a qual deu origem a processo que se encontra nesta comarca ao arrepio do que a lei dispõe (incidente este que não constitui matéria do presente articulado e, por isso, nada mais se acrescentando a seu respeito).
  18. Não deve ter sido tanto uma economia de caridade a ditar o comportamento da Ex.ma Magistrada, mas sim a consciência clara de que, a ir por diante o processo de que aqui se trata, isso permitia ao arguido, reduzido à miséria pelos desmandos de alguns magistrados, requerer que lhe fosse paga a deslocação para estar presente em julgamento, o que sairia pesado aos cofres dos Tribunais.
  19. Pior ainda: havia a possibilidade de o arguido apresentar rol de testemunhas idêntico ao do processo que está indevidamente em Coimbra, e ao qual já se aludiu acima (it. 17).
  20. O que sucederia pela certa e não era perspectiva ridente para bom número de pessoas.  
  21. A 12OUT11, era comunicado ao arguido o despacho de arquivamento do processo (fls. 95 a 96 v.), com uma fundamentação tão confusa que é difícil entender como se chega a apresentá-la.
  22. O caminho seguido pelo Ex.mo Magistrado, a quem coube a direcção deste inquérito, foi o seguinte:
  23. Pegou nuns trechos dos quais foi autor o arguido e, depois de exame ao qual entendeu proceder, concluiu que os mesmos nada continham que pudesse constituir crime contra a M.ma Juíza que, nos autos, se dava por ofendida.
  24. Sem cuidar agora do acerto ou desacerto da qualificação levada a cabo pelo MP, o arguido limita-se a chamar a atenção para um facto de meridiana clareza: todas as palavras do arguido, recolhidas no despacho de arquivamento (fls. 95, 95 v. e 96), foram proferidas no texto dirigido ao Ex.mo Procurador-Adjunto, como o próprio despacho reconhece no parágrafo 3 (fls. 95 v.).
  25. Torna-se, pois, evidente que por mais criminoso que fosse o teor das declarações do arguido, nunca a M.ma Juíza se poderia sentir atingida porque não era a destinatária directa ou indirecta do que o arguido disse, se exceptuarmos o que consta no it. 23.
  26. Foi outra a diatribe contra a M. ma Juíza, queixosa nos presentes autos.
  27. E essa ficou esquecida, se é que não foi propositadamente escondida por quem lavrou o despacho de arquivamento.
  28. A determinado passo, lê-se no referido despacho (parágrafo 3) que o Ex.mo Procurador-Adjunto do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Ribeira Grande «ignorou o arguido» (fls. 95 v.), o que é causa de ilegitimidade para proceder criminalmente.
  29. Segue-se depois uma enumeração de disposições do CPP, terminando com a citação de um acórdão do STJ (ib.).
  30. Trabalho este que se afigura bastante infeliz porque se a argumentação desenvolvida, como tudo indica, visava demonstrar que àquele magistrado estava processualmente vedada a acção penal contra o arguido, nem por isso o despacho nos elucida como vieram a formar-se dois processos --- P. 474/09.4 TARGR e P. 494/09.9 TARGR ---, conjunto a partir do qual, por conexão, passou a existir um só, que veio a receber o número do primeiro daqueles dois.
  31. Foi a M.ma Juíza de Direito que se queixou das duas vezes? E se foi porque será que o despacho só leva em conta o segundo texto de que o arguido foi autor, precisamente o mais suave e que não era dirigido àquela magistrada?
  32. Deixemo-nos de amenidades: instalou-se o caos porque o medo alastra!



Joaquim Maria Cymbron