O documento, que segue, faz parte de uma acção executiva e, como tal, não está em segredo de justiça. Assim, não violo qualquer preceito legal ao divulgá-lo.
P.201/05.5 TAPDL
2.º Juízo
Tribunal Judicial da Ribeira Grande
Ex.mo Procurador-Adjunto da República
JOAQUIM MARIA BOTELHO DE SOUSA CYMBRON, condenado no processo à margem referido, posto perante a resposta de V. Ex.ª a fls. 549 e s. daqueles autos,
VEM DIZER:
- Nessa peça, entende V. Ex.ª que o condenado «se tivesse pago a multa em prestações como deferido, teria efectuado tal pagamento ainda antes de deixar de ter os rendimentos das rendas que alegava ir deixar de ter.» (Fls. 550).
- A afirmação produzida por V. Ex.ª é uma rotunda mentira!
- Com efeito, pouco antes, registara V. Ex.ª que o condenado, para justificar o não pagamento da multa, invocou «entre outros motivos o facto de a partir de 31/1/2009 deixar de ter o rendimento de uma renda, por denúncia do contrato de arrendamento e também porque em Março de 2009, deixaria de receber outra renda.» (Ib.).
- Ora a mínima preocupação com a verdade obrigaria V. Ex.ª a consultar o mapa que o tribunal organizou para o condenado pagar em prestações.
- E se o consultou, a ética comum a todo o género humano e a dignidade da profissão, que V. Ex.ª exerce, imporiam que o reproduzisse com fidelidade.
- Mas tal não sucedeu.
- Realmente, para cumprimento das prestações destinadas ao pagamento da multa, esse mapa estabeleceu um calendário mensal, durante um período que se estendia de 10DEC08 até 10MAI09.
- E havia outras prestações cumulativas --- as estabelecidas para o condenado solver as custas processuais em falta.
- Estas tinham início na mesma data das outras e, com igual frequência mensal, durariam até ao corrente mês de Novembro.
- Portanto, o que V. Ex.ª sustentou junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa é uma falsidade!
- Se é uma falsidade maldosa ou meramente grosseira, por agora não importa apurá-lo.
- Inclusive, porque isso nos arrastaria até outra questão candente: a impunidade dos Senhores Magistrados, os quais, ainda quando decidem contra direito, nunca prevaricam porque agem sempre sem consciência da ilicitude do seu comportamento.
- Esta é, pelo menos, a jurisprudência de que não se conhece voz discordante.
- Por isso, vamos adiante.
- É curiosa a obsessão que V. Ex.ª revela por conta dos gastos realizados pelo condenado com «códigos de direito actualizados.» (Ib.).
- De facto, de todo um rol de despesas que o condenado ofereceu (fls. 476 e s.), retirar uma das que o condenado indicou como sendo «de frequência irregular e variáveis em valor, que é normalmente baixo» (fls.476), não lembra a ninguém.
- E para lá da estupefacção que provoca, é sinal de pouca perspicácia.
- Na verdade, o preço de venda dos códigos de direito, que o condenado mais utiliza, é de €12,00.
- Ascendendo a €260,00 cada prestação para pagamento da multa, resulta que o condenado teria de desistir da compra mensal de vinte e um códigos para não perder a liquidez necessária ao cumprimento daquela obrigação.
- E os €8,00, que lhe sobravam dessa renúncia heróica, constituiriam um precioso aforro para satisfazer o pagamento das custas.
- Isto é de antologia!
- Mas o presente processo é um desconchavo continuado.
- A M.ma Juíza, titular do mesmo, teve o desplante de negar a validade do instituto da impenhorabilidade, se estivermos no domínio do direito penal. (Fls. 489).
- Quer dizer: o executado na sequência de um processo-crime, não podendo ser penhorado por falta de bens, sujeita-se a ficar esquartejado.
- E assim os tribunais se converteriam em açougues!
- Estes autos nasceram sob o signo de má estrela:
- A desfaçatez de uma queixa por parte de uma Juíza, imensamente culpada da desgraçada situação económica em que o condenado se acha;
- Um julgamento que foi mero ritual de uma condenação de antemão decretada;
- E uma execução de fazer inveja ao Shylock do drama shakespeariano;
- Eis três episódios que em nada prestigiam a Justiça.
- Haja pudor!
Joaquim Maria Cymbron