Toreador

Não é difícil perceber a razão pela qual se insere, aqui, uma das mais famosas árias do panorama operático --- https://www.youtube.com/watch?v=fOxDzDyLEMQ

sábado, 14 de janeiro de 2012

PROMOÇÃO DE ENTREMEZ


P. 201/05.5 TAPDL
2.º Juízo
Tribunal Judicial da Ribeira Grande
Ex.mo Procurador-Adjunto da República


JOAQUIM MARIA BOTELHO DE SOUSA CYMBRON, condenado no processo à margem, 

VEM DIZER:

  1. O pudor obrigaria V. Ex.ª a pedir escusa de continuar a intervir nos presentes autos, por imposição do disposto no CPP art. 43.º, n.º 1, aplicável ex vi CPP art. 54.º, n.º 1.
  2. Isto é de tal forma claro e de tão elementar justiça que (imagine-se só!), até a M.ma Juíza, titular do Juízo onde V. Ex.ª presta funções, o fez.
  3. Além de falta de pudor, é perceptível uma total ausência de brio no comportamento de V. Ex.ª
  4. Com efeito, a 11DEC09, queixou-se V. Ex.ª do condenado, dando assim origem ao P. 494/09.9 TARGR.
  5. Este processo veio a ser apenso ao P. 474/09.4 TARGR, e ambos vieram a percorrer um trajecto lastimoso,  recentemente descrito neste blogue.
  6. Aí, assumiu V. Ex.ª um papel altamente desonroso.
  7. Não dirá o condenado que V. Ex.ª saiu despropositamente de cena, porque esse episódio teve um objectivo bem definido.
  8. Deste modo, permitiu V. Ex.ª que o seu Ex.mo Colega, depois de falhada a tentativa de colocar os autos em Coimbra, e fechada a saída para o problema com a oposição do aqui condenado a uma desistência de queixa ad hoc, por parte da M.ma Juíza causadora de todo este bulício, que esse seu Colega, repita-se, descobrisse que não tinha havido crime contra a honra daquela magistrada, servindo-se para esta conclusão do texto que o condenado dirigira a V. Ex.ª
  9. Parece inventado, mas não é!
  10. Tudo o que aqui se diz vem minuciosa e escrupulosamente narrado, onde acima já se indicou.
  11. Vem agora V. Ex.ª, de férula em punho, promover que o condenado cumpra prisão subsidiária (fls. 761 dos autos).
  12. Passe os olhos sobre o que escrevi há um par de dias, e veja V. Ex.ª o caso que faço da prisão para onde entende que devo ir.
  13. Senhor Procurador! Est modus in rebus, já dizia o velho Horácio.
  14. Já que não dignifica o que institucionalmente representa, ao menos dê provas de inteligência.
  15.  E fique sabendo que eu, quando quero ver um número divertido, vou ao circo!

Joaquim Maria Cymbron

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A ORDEM

A contumácia é grande; o despudor continua; e a malvadez não mostra limites. Mas a minha indignação é maior que toda esta ignomínia junta; ainda não quebrei; e, com a ajuda de Deus, espero que o meu ânimo não há-de esmorecer.


Sem disciplina, a vida é impossível. Os movimentos revolucionários estimam-na tanto que a exigem e a impõem nas suas hostes. Como o oxigénio para o fogo, assim está a disciplina para todos os comportamentos humanos, mesmo os mais sediciosos: onde ela falte, as chamas da subversão não podem arder. Isto diz bem do alto valor da disciplina, que até os inimigos da ordem a apetecem e põem em prática.

Quando digo ordem, não me refiro àquelas manifestações de ordem, que se substituem umas às outras, com uma facilidade quase igual ao programa de qualquer feira e que não chega a criar raízes: tenho em vista a ordem recta e justa, a ordem que dura e perdura, porque permanece no Ser. Só devia aspirar à dignidade de ordem, aquela que assenta as suas bases na lei divina, porque é a única cuja intrínseca bondade lhe confere vocação de perpetuidade.

A mais falsa aparência de ordem, tão intensa que se lhe pode chamar inversão da ordem, é aquela que se vê no domínio da tirania. Esta assume dois aspectos: um, é o sistema que garante o bem privado do princeps, em detrimento do que diz respeito a toda a comunidade; o outro está no exercício pervertido do poder político através de grupos privilegiados, que, a coberto da escolha de multidões anónimas, vão sacando todas as vantagens da res publica, com exclusão dos demais. Não há mais nem menos violência em qualquer uma destas formas de governo. E se a definição clássica tem o mau hábito de só chamar tirania à primeira delas, nem por isso há menos opressão na segunda, para a qual se convencionou reservar o nome de oligarquia. A terminologia, aqui, acomoda-se à mera questão de singularidade ou pluralidade dos favorecidos com a iniquidade que levam a cabo.

A pior das tiranias, no entanto, é sempre a que resulta da anarquia. Esta declara-se todas as vezes que as instituições públicas se mostram incapazes de fazer observar as leis que elas próprias criam. Nem interessará, então, cuidar do valor ético das mesmas; basta que se dê o vazio de poder. Para essa situação caminhamos a passos acelerados. A partir desse momento, tudo pode acontecer: entra-se em estado de revolta e não deve admirar que estale a rebelião, movimento ditado por um instinto colectivo de sobrevivência.

E é por isto mesmo que quem diz sociedade, diz ordem, mesmo que não seja uma ordem justa. Pois sociedade sem ordem não se concebe, nem o nome de sociedade se lhe pode dar: não passa de uma horda à solta.

Como acima disse, vivemos um estado vizinho da anarquia. Os principais agentes subversores da ordem, daquela que temos, em certos pontos prolixa, contraditória e sobretudo privada do selo da integridade, mas apesar de tudo ordem, porque mesmo combalida por aqueles males ainda é formada de regras portadoras de valores positivos, os maiores culpados da anomia que se aproxima, repito, encontram-se no meio de duas legiões, autênticos demónios do mal, competindo entre si na tarefa de destruição. Refiro-me a algumas figuras das magistraturas dos nossos Tribunais.

Alegam que a responsabilidade da grave situação criada cabe ao legislador. Já não é mau: ficamos assim a saber que as coisas não estão boas. Simplesmente, a defesa é improcedente e envergonha quem a ela recorre:

Se é certo que o legislador faz a lei, quem a aplica são os Tribunais. Se a lei requer ser depurada, aqueles órgãos têm legitimidade bastante para proceder a uma epiqueia da mesma. Se o não fazem, andam mal porque têm não só o poder, como também o dever de agir por este modo.

Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Sociais Prisionais! Isto que é? Que significado tem este título tão comprido? Fixemo-nos nas primeiras palavras: Direcção-Geral de Reinserção. Reinserir como, quem e para quê? É sensato promover a reinserção daquele que nunca deixou de estar inserido? Impõe-se distinguir entre sistemas: quando alguém está integrado num sistema de ordem, da autêntica ordem, é acaso lícito, sob a capa da reinserção, desviá-lo para um sistema de moral abjecta e com leis de escassíssimo crédito? No entanto, é para ali que os nossos magistrados empurram os condenados, esquecendo que nem todos acharão vantajosa a troca com um sistema de traição, de desonra e de dor, sistema que, pouco a pouco, destrói a consciência nacional de um povo e, fibra a fibra, rasga a sua identidade histórica.

Querem que eu vá reinserir-me no tecido social. Porquê? Há por aí tanta marginalidade, e não vejo com ela a mesma preocupação.

Ainda recentemente, a opinião pública estremeceu debaixo da impressão causada pelas denúncias de plágio nuns exames efectuados no CEJ. E mais atónita ficou, quando soube da solução dada ao caso. Não tem razão. Exigir a punição dos que copiaram, é sintoma de um temperamento mórbido. Se os magistrados, já com anos de serviço e em funções, até hoje passaram impunes sempre que prevaricaram ou denegaram justiça, porque – assim se vem decidindo – não foi conscientemente que agiram contra legem, como era possível castigar aqueles que nem sequer tinham as suas carreiras iniciadas? Só uma severidade doentia, repito, podia sustentar essa reacção contra aquelas criaturas, pobres inocentes que estavam justamente terminando a fase do seu aprendizado.

Nesta ironia cabe toda a criminalidade que aflige Portugal? Não, evidentemente! Este relato singular vale pelos protagonistas. E por isso, embora o mesmo não contemple todos os delinquentes, não repugna afirmar que ali se concentra boa parte deles. Na realidade, aguarda-se dos Tribunais a recta composição das lides de quem vive em sociedade. Mas se a Justiça se define por uma «constans et perpetua uoluntas ius suum cuique tribuendi»,1 e entre os preceitos do Direito chama particularmente a atenção o que manda «alterum non laedere»,2 como se há-de acreditar nalguns magistrados para cumprimento de tão elevada missão? Causará espanto, porventura, o crescimento da onda de crime e que alastre a mancha de malfeitores, quando no grémio donde se conta que saia a repressão também lá vamos dar com eles?

Decididamente, não encaixo com a reinserção num sistema de caos e provocada por um quadro de magistrados, no qual se perfilam tipos muito complexos e de duvidoso equilíbrio emocional. Enquanto for este o panorama, o meu dedo continuará a tocar na ferida.

Não há prisão que me amedronte. Ela até poderá ser um refúgio para quem, como eu, foi reduzido à miséria material pela acção infame de uns contralitigantes que depressa acharam apoio em magistrados esquecidos dos seus sagrados deveres: o meu sustento passa a correr por conta do Estado, o que virá aliviar quem me tem valido nestes tempos de aflição.aflição.3 Por outro lado, constituirá uma experiência humana muito interessante. Não sou infelizmente o único injustiçado. Muitos lá estarão penando, sem razão para isso. Com esses desgraçados estarei solidário, e levo-lhes mensagem há muito guardada: «Olhai que o inimigo não é o guarda prisional, que nos vigia enquanto dura a reclusão; nem o é quer o agente da PSP, o militar da GNR ou o inspector da PJ, que nos capturam por suspeitos. Nenhum destes elementos é o inimigo, porque o inimigo está em certos magistrados que envergam a veste talar como o actor dramático, quando sobe ao palco, se cobre da indumentária adequada ao papel que vai desempenhar em cena

Isto é o que lhes direi. E se um dia eu desistir de acusar os culpados desta vergonha, então aí, sim, estarei precisado de proceder a uma revisão do meu comportamento, a ver se me corrijo!

 

Joaquim Maria Cymbron

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  1. D. I, 1, 10.
  2. Ib.
  3. Refiro-me aos que me ajudaram com generosidade e nunca me negaram o apoio da sua amizade, quando nada me deviam nem devem. A minha gratidão não abrange certa pessoa, que é uma das principais culpadas do estado a que fui reduzido, e que persiste em não sanar o mal que também me causou. Tenho vergonha em nomeá-la e já lhe disse que recebo, a título de indemnização antecipada, o dinheiro que me envia. De resto, ela calcula (e bem) que consequências pode ter o resultado de eu me ver sem meios para sobreviver.

JMC