A beca de magistrado não confere a senhoria; requere-a.
'Lodo amassado em sangue (...)'. Este hemistíquio tirei-o de uma das mais conhecidas apóstrofes de Junqueiro (1). A sua virulência é intensa, como aliás era habitual no estilo característico e tão peculiar do poeta.
No meu entender, estas palavras, enxertadas no quadro que o autor traça da pérfida Albion, são perfeitamente adequadas. Ditas sobre alguns magistrados que têm intervindo e, de uma ou de outra forma, vêm decidindo dos meus interesses em juízo, elas são de uma inocuidade confrangedora --- constituem a diabrura lúdica de alguma criança um pouco mais travessa.
Pecarão, também, por excesso? Se a resposta, que segue, contém denominação que a linguagem comporte, pecam, sim, porque pecam por excesso de defeito. Mas creio que todos entenderão o significado. Com efeito, na matéria de que se trata, tais palavras mostram-se excessivamente brandas.
Aqui, para traduzir a verdade, temos de completar o verso e lembrar aquele que o precede: 'E a tua carne hás-de vê-la, ó meretriz nefanda,/Lodo amassado em sangue, oiro amassado em pus!'
Meretriz nefanda é no que dá aquela que todos consideram uma respeitável matrona, enquanto não se degrada: é a Justiça antes de passar pelas mãos de quem trata os tribunais como se estivesse no alcouce.
Para o que nos interessa, lodo amassado em sangue não é certamente o triste estado a que chegará a carne da meretriz --- o sangue que corre, sou eu que o derramo; o lodo, são eles. A prostituída anda acompanhada por aqueles que a perverteram, e esses gozam ainda de melhor saúde. Por isso, o oiro amassado em pus também não é dela: o metal luzente desliza dos meus bolsos e, em paga, os autores da extorsão deixam à mostra o pus da corrupção.
Joaquim Maria Cymbron
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- À Inglaterra.
JMC