O título que pus em mais um texto deste blogue, induz-me a celebrar a
sorte que tem a Senhora Procuradora pela certeza de não existir o nada. Caso
contrário, no comportamento descrito na carta que segue e da qual é ela a destinatária, não haveria nem uma
responsabilidade maioritária, nem minoritária, porque seria de uma irresponsabilidade
infinita!
DIAP
1.ª Secção
Dig.ma
Procuradora-Adjunta
Senhora Procuradora:
O despacho de arquivamento do inquério, no processo à margem referido,
é bem o reflexo da jurisprudência que, até hoje e comigo, se tem observado
nesse Tribunal de Ponta Delgada.
A decisão de V. Ex.ª é o resultado, pelo menos, da criminosa gravação
efectuada na audiência de julgamento, a mesma onde se consumou o facto que
imputei ao arguido. Com uma gravação daquelas, todas as fantasias são possíveis
quando há o propósito de ilibar quem foi denunciado e mesmo que tal intuito não
exista.
Não me refiro já à versão do arguido: é sabido que são raros os que
respondem em juízo com franqueza e nobreza bastantes para se confessarem
culpados. Faz parte da natureza humana e, ainda que não dignifique, é comum
este comportamento. O que afirmo é particularmente verdadeiro em
processo-crime. Tanto assim é que a lei não pune o arguido que, relativamente à
matéria dos autos, incorra em falsas declarações, não porque ele tenha um
direito de mentir, mas sim por não poder ser-lhe exigido que conte a verdade, o
que cumpre à acusação descobrir. O mesmo não direi quanto ao depoimento do Segurança, porque as testemunhas têm o
altíssimo dever de não faltar à verdade.
De resto e já sem falar do silêncio quase absoluto do CD a que acima me referi, defeito que
será estranho para quem não conheça o estilo seguido por esse Tribunal nas
causas em que apareço com um interesse directo e pessoal, para esses, insisto, é
deveras curioso que V. Ex.ª se haja contentado com uma única testemunha. Sendo
o crime denunciado um crime semipúblico (CP
art. 143.º, n.º2), cabe igualmente ao MP tomar o impulso necessário ao
apuramento da verdade e, na sequência disso, o mesmo está obrigado a esgotar os
meios adequados para atingir aquele fim. Não peço que se tivesse procedido à
inquirição de todos os presentes na sala de audiência. Isso tornar-se-ia
dificílimo de realizar. Mas pergunto: porque não foi chamado a depor o M. mo
Juiz de Direito; a Dig. ma Procuradora-Adjunta; a Ilustre Defensora oficiosa; o
agente-principal da PSP João de Medeiros; a sua colega Maria Barbosa? Repito a
pergunta: porque não foram estes ouvidos? Repare V. Ex.ª que não peço
explicações para o facto de ser inoperante a audição do CD, onde era de esperar que se encontrasse a gravação da audiência.
Já falámos disso e agora apenas acrescento que o responsável imediato por este
registo oco, chamemos-lhe assim, foi precisamente o arguido nestes autos. Muito
conveniente, não tem dúvida! E nada insuspeito, é ainda mais claro.
Foi mera coincidência o nexo entre o efectivo comportamento do arguido
e a deficientíssima gravação? Todos sem custo vemos que não passa de uma genuína
casualidade de pormenor, uma perfeita ninharia à qual só gente maldosa pode
atribuir intenções veladas. Mas não estará na gravação, com a qualidade que
tem, ou a falta dela, não reside ali a resposta para o que veio a seguir no P.
255/14.3 TAPDL? Não devemos buscar nela o motivo pelo qual o colectivo, que me
julgou, terá desconsiderado factos articulados pelo MP, decidindo que não foram
provados? Toda essa matéria rejeitada, por não provada, foi tirada do CD, e tinha de lá estar, porque, à parte
alguns trechos mal reproduzidos, de facto e substancialmente, eu proferi as
expressões que figuram na acusação. O pior é que, se serviam para minha
condenação, já seria fortemente intrigante que não se ouvissem os segmentos que
deporiam contra o arguido. Por isso, qual o caminho? --- Fechar o bico ao CD!
O CD foi junto àqueles autos
e exibe dois períodos distintos, nitidamente separados: um, onde o MP foi colher
prova suficiente para me levar a julgamento; e o segundo, que importava delir e
esquecer para evitar comprometimentos. Julgo escusado acrescentar que V. Exª acariciou
o CD, na sua fase terminal, já muito
combalido e gasto pelo tempo, que é verdadeiramente assassino, não perdoa e
deixa sinais de ruína: acompanhou-o e arrancou dele o pouco que sobrava, isto
é, praticamente nada. Esses restos, por estarem quase sumidos, vieram a
revelar-se proveitosos e cómodos para o arguido. Porém, o arguido não foi o
único a beneficar com as marcas de erosão que o CD apresenta: o M. mo Juiz de Direito também ganhou com isso. Com esta, é a terceira vez que, nesse
rincão fértil em servir-me frutos amargos, volto a ser prejudicado pela
danificação de documento!
A alegada responsabilidade maioritária, que recai sobre mim pela lesão
da qual me queixo, é um autêntico primor. Não fica certamente atrás do brilho
alcançado por outras decisões que daí brotaram e se avolumam na coluna do meu
passivo. Se há uma responsabilidade maioritária, tem de existir outra, que será
a minoritária: pela maioritária, como V. Ex.ª tão bem sabe que até a refere, já
paguei; e quem satisfaz a sanção legal pela responsabilidade que ainda não está
liquidada? Ou sucederá, afinal, que «a lesão sofrida pelo ora denunciante só ao
mesmo é imputável, (...)», conforme V. Ex.ª discorre logo abaixo?
Em que ficamos? A responsabilidade é partilhada, conquanto
desigualmente, ou é minha, na íntegra? São inconciliáveis estas conclusões. No
entanto, V. Ex.ª não hesitou em formulá-las. É flagrante a contradição nos
fundamentos. Mas não se amofine V. Ex.ª pois assim é que se situa na linha do
comportamento mais ortodoxo que esse Tribunal assume, por uso e costume, quando
sou demandado em juízo, ou lhe bato à porta a pedir Justiça.
Como V. Ex.ª há-de calcular não apontarei aqui as causas do que sustentei
ao longo desta peça. Está reservado para o caso de alguém ter a afoiteza de me
mover mais um procedimento criminal. O que não creio que venha a ocorrer. Não
há coragem para isso!