Toreador

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sábado, 13 de fevereiro de 2016

RESPONSABILIDADE MAIORITÁRIA E RESPONSABILIDADE MINORITÁRIA?!


O título que pus em mais um texto deste blogue, induz-me a celebrar a sorte que tem a Senhora Procuradora pela certeza de não existir o nada. Caso contrário, no comportamento descrito na carta que segue e da qual é ela a destinatária, não haveria nem uma responsabilidade maioritária, nem minoritária, porque seria de uma irresponsabilidade infinita!

 
P. 290/14.1 TAPDL
DIAP
1.ª Secção


                                       Dig.ma Procuradora-Adjunta

Senhora Procuradora:

O despacho de arquivamento do inquério, no processo à margem referido, é bem o reflexo da jurisprudência que, até hoje e comigo, se tem observado nesse Tribunal de Ponta Delgada.

A decisão de V. Ex.ª é o resultado, pelo menos, da criminosa gravação efectuada na audiência de julgamento, a mesma onde se consumou o facto que imputei ao arguido. Com uma gravação daquelas, todas as fantasias são possíveis quando há o propósito de ilibar quem foi denunciado e mesmo que tal intuito não exista.

Não me refiro já à versão do arguido: é sabido que são raros os que respondem em juízo com franqueza e nobreza bastantes para se confessarem culpados. Faz parte da natureza humana e, ainda que não dignifique, é comum este comportamento. O que afirmo é particularmente verdadeiro em processo-crime. Tanto assim é que a lei não pune o arguido que, relativamente à matéria dos autos, incorra em falsas declarações, não porque ele tenha um direito de mentir, mas sim por não poder ser-lhe exigido que conte a verdade, o que cumpre à acusação descobrir. O mesmo não direi quanto ao depoimento do Segurança, porque as testemunhas têm o altíssimo dever de não faltar à verdade.

De resto e já sem falar do silêncio quase absoluto do CD a que acima me referi, defeito que será estranho para quem não conheça o estilo seguido por esse Tribunal nas causas em que apareço com um interesse directo e pessoal, para esses, insisto, é deveras curioso que V. Ex.ª se haja contentado com uma única testemunha. Sendo o crime denunciado um crime semipúblico (CP art. 143.º, n.º2), cabe igualmente ao MP tomar o impulso necessário ao apuramento da verdade e, na sequência disso, o mesmo está obrigado a esgotar os meios adequados para atingir aquele fim. Não peço que se tivesse procedido à inquirição de todos os presentes na sala de audiência. Isso tornar-se-ia dificílimo de realizar. Mas pergunto: porque não foi chamado a depor o M. mo Juiz de Direito; a Dig. ma Procuradora-Adjunta; a Ilustre Defensora oficiosa; o agente-principal da PSP João de Medeiros; a sua colega Maria Barbosa? Repito a pergunta: porque não foram estes ouvidos? Repare V. Ex.ª que não peço explicações para o facto de ser inoperante a audição do CD, onde era de esperar que se encontrasse a gravação da audiência. Já falámos disso e agora apenas acrescento que o responsável imediato por este registo oco, chamemos-lhe assim, foi precisamente o arguido nestes autos. Muito conveniente, não tem dúvida! E nada insuspeito, é ainda mais claro.

Foi mera coincidência o nexo entre o efectivo comportamento do arguido e a deficientíssima gravação? Todos sem custo vemos que não passa de uma genuína casualidade de pormenor, uma perfeita ninharia à qual só gente maldosa pode atribuir intenções veladas. Mas não estará na gravação, com a qualidade que tem, ou a falta dela, não reside ali a resposta para o que veio a seguir no P. 255/14.3 TAPDL? Não devemos buscar nela o motivo pelo qual o colectivo, que me julgou, terá desconsiderado factos articulados pelo MP, decidindo que não foram provados? Toda essa matéria rejeitada, por não provada, foi tirada do CD, e tinha de lá estar, porque, à parte alguns trechos mal reproduzidos, de facto e substancialmente, eu proferi as expressões que figuram na acusação. O pior é que, se serviam para minha condenação, já seria fortemente intrigante que não se ouvissem os segmentos que deporiam contra o arguido. Por isso, qual o caminho? --- Fechar o bico ao CD!

O CD foi junto àqueles autos e exibe dois períodos distintos, nitidamente separados: um, onde o MP foi colher prova suficiente para me levar a julgamento; e o segundo, que importava delir e esquecer para evitar comprometimentos. Julgo escusado acrescentar que V. Exª acariciou o CD, na sua fase terminal, já muito combalido e gasto pelo tempo, que é verdadeiramente assassino, não perdoa e deixa sinais de ruína: acompanhou-o e arrancou dele o pouco que sobrava, isto é, praticamente nada. Esses restos, por estarem quase sumidos, vieram a revelar-se proveitosos e cómodos para o arguido. Porém, o arguido não foi o único a beneficar com as marcas de erosão que o CD apresenta: o M. mo Juiz de Direito também ganhou com isso. Com esta, é a terceira vez que, nesse rincão fértil em servir-me frutos amargos, volto a ser prejudicado pela danificação de documento!

A alegada responsabilidade maioritária, que recai sobre mim pela lesão da qual me queixo, é um autêntico primor. Não fica certamente atrás do brilho alcançado por outras decisões que daí brotaram e se avolumam na coluna do meu passivo. Se há uma responsabilidade maioritária, tem de existir outra, que será a minoritária: pela maioritária, como V. Ex.ª tão bem sabe que até a refere, já paguei; e quem satisfaz a sanção legal pela responsabilidade que ainda não está liquidada? Ou sucederá, afinal, que «a lesão sofrida pelo ora denunciante só ao mesmo é imputável, (...)», conforme V. Ex.ª discorre logo abaixo?

Em que ficamos? A responsabilidade é partilhada, conquanto desigualmente, ou é minha, na íntegra? São inconciliáveis estas conclusões. No entanto, V. Ex.ª não hesitou em formulá-las. É flagrante a contradição nos fundamentos. Mas não se amofine V. Ex.ª pois assim é que se situa na linha do comportamento mais ortodoxo que esse Tribunal assume, por uso e costume, quando sou demandado em juízo, ou lhe bato à porta a pedir Justiça.

Como V. Ex.ª há-de calcular não apontarei aqui as causas do que sustentei ao longo desta peça. Está reservado para o caso de alguém ter a afoiteza de me mover mais um procedimento criminal. O que não creio que venha a ocorrer. Não há coragem para isso!

 Joaquim Maria Cymbron

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