Como há muito tempo vem acontecendo em tudo que aqui publico
(praticamente, desde o início), nem sempre a ordem observada corresponde à data
do evento de que se dá conta.
Comarca dos Açores
DIAP --- 2.ª Secção
P. 416/14.5 TAPDL
Ex.mo
Procurador-Adjunto
V.
Ex.ª ordenou o arquivamento do inquérito, nos autos à margem referidos. Só não
direi desta decisão que ela excedeu quanto de criminoso se vem passando nesse
Tribunal de Ponta Delgada, comigo e desde o ano de 2002, porque tal
comportamento traduz uma constante, no seio da qual é tarefa árdua escolher o
momento em que, até agora, mais se violou a Lei, a Ética e até a lógica formal.
São tamanhos os erros acumulados que é lícita a dúvida se neles incorreria
qualquer um dos envolvidos no monumental plágio que, há poucos anos, agitou o Centro de Estudos Judiciários.
Repare
V. Ex.ª que falo de erros, sem acrescentar o tipo de erros que são porque,
erros de malícia, nunca esse crime é cometido por Magistrados. É o quadro inverso do que, por norma, ocorre
ao comum dos arguidos, os quais agem
«livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta é
proibida por lei.» Claro que isto é a regra, como já ficou enunciado.
As
excepções são positivas, umas; e as outras, negativas. Das positivas, não cuido
agora porque, aqui, não as vejo. Tratarei apenas das negativas, que resumirei nisto:
decide-se em função de quem é denunciado e, muitas vezes, também se atende,
isolada ou conjuntamente, ao denunciante. E, então, dos caminhos a tomar,
destacam-se três vias que se seguem, separadas ou agrupadas, pelo jeito e
segundo mais convenha ao objectivo que se persegue: ignoram-se factos carreados
para os autos; deturpam-se outros, numa análise viciosa; e, quando isto não se
faz, converte-se o denunciado numa criatura ornada de múltiplas virtudes, um
santo à beira dos altares, esperando vez de ali ser colocado.
Insinuo,
porventura, que V. Ex.ª praticou o crime p. p. no CP art. 369.º? --- Escute, Senhor Procurador! Que me lembre, nada
insinuei ao longo de uma vida que já não é curta: ou afirmo transparentemente,
ou me remeto ao silêncio. Para melhor definição do assunto e sem rebuço de
nenhuma espécie, comunico-lhe que estou convicto da prática desse crime por
parte de V. Ex.ª Apesar de, por não ser magistrado, estar sujeito a suportar a
carga como todo e qualquer desgraçado que, quase sempre, actua «livre,
deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta é proibida por lei»,
não obstante esta condição, insisto, o certo é que o interesse da confissão,
que fiz, apresenta escasso valor prático, porque não terá consequências. Até ao
presente, os processos têm chovido sobre mim o que, ao menos, me vinha trazendo
o consolo de ser olhado como pessoa responsável e que pode acabar condenada: em
comparação com os Magistrados, que nunca prevaricam nem denegam Justiça, é
indisputável a minha vantagem. No entanto, palpita-me que essa diferença se
tenha apagado: ao ponto a que as coisas chegaram, não haverá coragem para me mover as costumadas acções penais!1
Logo
no início desta peça, deixei bem marcado que não me achava capaz de estabelecer
qual dos despautérios tem a supremacia. Porém, isso não significava que ficasse calado,
como visivelmente não fiquei. Sem discursos fastidiosos (o tema e o seu autor
não merecem o esforço), limitar-me-ei a umas curtas palavras sobre o despacho
que é da responsabilidade de V. Ex.ª
Sei,
pelas informações que fui colhendo no decurso do processo, que no mesmo
sucederam vários Magistrados. Cabe a culpa a todos? --- Que os Ex.mos Colegas
de V. Ex.ª, nas suas intervenções, se tenham afastado do rigor que lhes cumpria
observar, não me espantaria. Mas mesmo que seja o caso, V. Ex.ª é quem assina o
despacho, fazendo menção de que reviu o texto. Portanto, V. Ex.ª ratificou, por
forma tácita, todo o trabalho que eventualmente viria atrás. E é por isto que
não deve escapar à crítica. Não deve, nem poderá porque eu não renuncio a
formulá-la.
Senhor
Procurador! O despacho de V. Ex.ª, na sua fundamentação jurídica, é de uma
pobreza que confrange; revolve-se numa afronta moral; e, dialecticamente, é
insensato porque desafia o equilíbrio do pensamento. Para ser mais franco: o
despacho provoca náusea! É esta a minha sensibilidade, uma sensibilidade que
não suporta ver o Direito transformado num divertimento de pelotiqueiros, ainda
por cima de reles qualidade.
Se o
propósito de V. Ex.ª, como creio firmemente que terá acontecido, foi o de
distorcer a realidade dos factos, para permitir uma decisão sem qualquer
fundamento legal e racional, pode V. Ex.ª orgulhar-se da obra feita: gerou uma
aberração de tal modo monstruosa que, acredite Senhor Procurador, não resultará
fácil que alguém lhe leve a palma!
Joaquim
Maria Cymbron
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- A peça foi recebida, no destino, a 04 de abril de 2016. Nada, até agora, conforme previsto e consta no repto lançado!
JMC