Há quem ferva de indignação e tema o pior para o País, porque um ministro resolveu exibir dotes cómicos de mau gosto, e brindou com gesto burlesco o triste areópago em que se transformou a Assembleia da República. Entretanto, ontem completaram-se dois anos sobre a data em que o Tribunal Constitucional abriu portas a um documento que pede a declaração de inconstitucionalidade da Lei do Aborto.
A nossa Constituição é o que é. Mas tem a virtualidade suficiente para impor o deferimento do que foi submetido ao juízo dos Senhores Conselheiros.
Porquê? --- Porque quanto ali se requer é justíssimo, com fundamentação soberba. O resultado só pode ser um, se a questão vier a ser apreciada. E aqui é que começa o drama:
A mitologia liberal sustenta que o poder judicial é livre e independente. É uma mentira despudorada. Nunca a utopia de Montesquieu se concretizou, mas, principalmente hoje, o poder judicial está dependente da política dominante, e esta cada vez mais enfeudada a interesses económicos.
Se o Tribunal Constitucional decidir segundo o direito legislado, terá de atender o pedido que lhe foi formulado. Porém, isto não convém aos verdadeiros detentores do poder. Por outro lado, indeferir o requerido, parece-me tarefa impossível de realizar, sem cair no mais atroz ridículo, visto o caso à luz da ciência jurídica.
Que faz, então, o Tribunal Constitucional? O mesmo que outros, quando os autos carregam matéria de grande melindre --- não se pronunciam, e deixam o tempo correr, até que venha a prescrição resolver as coisas ou, como sucede aqui, a sombra do esquecimento baixe sobre o que tanto os perturba.
O Tribunal Constitucional deixou entrar o requerimento, mas fechou-lhe a mente e o coração. E disto ninguém fala.
Valha-nos Deus!
Joaquim Maria Cymbron
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