Estou condenado a passar 18 (dezoito) fins de semana na prisão (1). O último 'crime', que desencadeou este merecidíssimo castigo (é fora de dúvida que sou um celerado incorrigível), vem descrito aqui.
Se Deus quiser, quando findar o
dia, volto a transpor os umbrais de uma cadeia. Em Coimbra,
cruzava-os para ir às oficinas onde tinha trabalhos encomendados; agora, entro
como hóspede no Estabelecimento Prisional de Aveiro.
Levo comigo uma forte dose de
curiosidade. Sempre quero ver se lá encontro Magistrados a cumprir pena por
crime de denegação de justiça e prevaricação. Palpita-me que nem um haverá. E se
a busca se estender por outras prisões de Portugal, o resultado não deve
alterar-se. É uma casta que se crê impecável, tirando do poder em que foram
investidos o fundamento desse falso dogma.
Se o mito se esfumasse, quantos escapariam a um juízo de reprovação?
Nunca fui grande admirador do tribunal de júri. Os jurados, no sistema judicial, surgem a meus olhos como leigos que têm de se pronunciar em matéria que não é da competência deles. Não são mais nem menos profanos do que se apresentam quando escolhem quem os governe. E como não dou crédito às falácias da Democracia, a minha desconfiança tem de compreender-se.
No entanto, quando falham os poderes constituídos, alguém do meio do povo acabará por erguer-se e suprir a demissão funcional daqueles órgãos de soberania. Isto, cedo ou tarde, sucede indefectivelmente em todas as épocas e é um direito inauferível da comunidade política. Mais importante que a legitimidade de origem ou de título é a legitimidade de exercício. Cabe, sem dúvida, à Magistratura de carreira a titularidade instrumental da administração da Justiça. Porém, não tem de espantar que os seus abusos levem ao desespero quem os sofre e que os lesados procurem reparação noutro lado. Entretanto, porque as instituições vigentes ainda guardam meios de reagir ao mal, impõe-se o recurso a outra fonte da tão desejada Justiça.
Daí que, recentemente, eu me tenha voltado para o tribunal de júri esperando dele, num julgamento que me aguarda, a isenção a que todos aspiramos.
As leis encontram-se para o corpo social um pouco ao modo como os recursos médicos estão para o corpo de cada um de nós. Assim, têm elas a dupla função de prevenir ou de corrigir os males que podem afectar a vida de uma sociedade, tal como a ciência médica, perante a doença humana, estuda e se serve dos meios que incessantemente se vão aperfeiçoando para a combater, procurando primeiro evitá-la e, se ela vier a declarar-se, tentando curá-la.
Mas se a profilaxia ou a terapêutica falham repetidamente, umas vezes por insuficiência dos tratamentos aplicados, outras porque não eram os mais adequados à patologia evidenciada, que faz o paciente? Certo e sabido que descrê dos serviços de saúde, onde tem sido assistido, e parte em busca de salvação noutro sítio. É isto um insulto à medicina? Nunca! Será muitas das vezes uma tácita e áspera censura a alguns magos daquela profissão, sem qualquer menosprezo por esta.
O mesmo se passa com o particular que deve obediência às leis. As leis saem no jornal oficial. Para além de actuarem logo de forma dissuasória, é inegável que se reanimam quando há crise na disciplina social. A prova de fogo das leis está, efectivamente, na sua aplicação, tal como sucede no campo da medicina, cuja arte só é verdadeiramente passível de ser apreciada, quando presta os seus cuidados a quem deles necessita.
E mantendo o paralelo com a ciência médica, que não pode sentir-se afrontada se um doente é tomado de cepticismo quanto à competência e virtude das mãos que o maltrataram mais que uma vez, pela razão clara de que não deve confundir-se a parte com o todo, nem o momento que passa com o valor que permanece, resta acrescentar que também não padece a Justiça, quando clamo que me insurjo contra o estilo como são aplicadas as leis, defeito que não está nela, Justiça, mas sim nalguns dos seus pretensos sacerdotes.
Joaquim Maria Cymbron
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- Em que ficou a pena? Pois bem: não cumpri um só dia de um qualquer fim de semana.
JMC
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