Toreador

Não é difícil perceber a razão pela qual se insere, aqui, uma das mais famosas árias do panorama operático --- https://www.youtube.com/watch?v=fOxDzDyLEMQ

domingo, 4 de abril de 2010

INCIDENTE NA CATEDRAL DE CÓRDOVA


A notícia sobre a triste ocorrência, de que foi palco a Catedral de Córdova (mais um episódio a somar-se a tantos outros sinais inquietantes), pode ler-se aqui.
 
 
Aproveito o caso, tal como chegou ao meu conhecimento, para alinhar algumas observações:
 
Não conheço a lei penal espanhola: nem a substantiva nem a adjectiva. Por isso, não me pronuncio sobre as medidas que o juiz de instrução entendeu tomar.

Duvido mesmo que o fizesse, ainda que fosse um sábio naquele campo do direito espanhol. Entendo que não são pertinentes reparos (positivos ou negativos) sobre decisões levadas a cabo por titulares de órgãos de soberania de uma nação estrangeira, quando incidem em assuntos da sua competência interna.

Já chega o que temos dentro de portas. E se isto não formos capazes de resolver, inútil será o esforço de esgrimir lá por fora.

Porém, aquilo que já se sabe a respeito do caso aqui referido e dentro dos limites que se lê na fonte indicada, sempre me permite a seguinte reflexão:
 
Em Portugal, in abstracto e a fazer fé no relato que foi acolhido aqui, o golpe desferido contra o elemento da Segurança à Catedral, deveria ser qualificado como tentativa de homicídio. Com efeito, o alegado agressor, servindo-se de arma branca, cuja lâmina apresentava dimensões bastante consideráveis, apontou ao peito, onde se albergam órgãos essenciais à vida, não tendo alcançado o que parecia ser seu propósito, porque o visado lhe frustrou o intento, vindo daí a ficar ferido.

Todos estes elementos deixam presumir animus necandi. Agiu com mero dolo eventual? Custa a crer que alguém disposto a ferir com tal instrumento corto-perfurante e nas condições em que sucedeu o incidente, viesse convencer o tribunal de que apenas representou o resultado letal como possível.

Mas a hipótese não é de afastar. Por isso, teríamos o quadro da relevâcia do dolo eventual na tentativa. E, aqui, convém lembrar a peregrina tese que sustenta que esta forma de dolo não existe no crime tentado. A favor desta posição, vi invocado o argumento de autoridade de Faria Costa, de cuja argumentação destaco o trecho que me parece ser aquele que prova precisamente o contrário do ali pretendido: «(...) já que o agente, apesar da representação intelectual do resultado como possível, ainda se não decidiu.» (Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal, p. 160, cit. por Maia Gonçalves, Código Penal , 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 1996, p.249).

O caso em apreço é, salvo melhor juízo, a demonstração cabal da inanidade daquela posição:

Na verdade, como já foi dito, temos de admitir que o alegado prevaricador, quando atirou o bote, não o fez para matar e apenas representou como possível a morte do elemento da Segurança, tendo-se conformado com esse resultado. Mas, se realizou aquele movimento, é porque se decidiu nesse sentido. Se o presumido defendente não tivesse conseguido evitar ser atingido com maior gravidade, a estas horas haveria uma morte ou ofensas corporais mais sérias do que as provocadas. E é então a reacção do que procura proteger a sua integridade física que vai modificar o juízo sobre a motivação do acusado pelo delito?
 
O cenário de Córdova é eloquente: Ou o acusado se moveu com dolo eventual ou não. Se não houve dolo eventual, o problema morre aqui; e se houve, é a resistência do outro que vai afastar esse dolo porque o crime não foi além de mera tentativa? Quod absurdum!

Considero isto verdadeiro onanismo intectual, para o qual felizmente alguns dos nossos tribunais não se deixam arrastar.

Concluindo: o quadro, que tracei, obedece ao que seria, a meu ver, o procedimento justo. Porém, não haja ilusões. Em Portugal, situação idêntica seria tratada pela maioria dos tribunais com muita benignidade. Não arriscarei muito se disser, que o rigor da lei só se faria sentir se fosse ao invés.

Por exemplo: um grupo de católicos introduzia-se numa mesquita e punha-se a rezar o terço; eram advertidos de que não podiam estar ali naqueles termos; finalmente, um desses católicos envolvia-se numa desordem de idênticas proporções e com resultados similares ao que se verificou em Córdova.

Certo e sabido que seria arguido até de delito racial!
 

Joaquim Maria Cymbron

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