Venerando Desembargador
Veneranda Desembargadora
O
tratamento de Venerando e de Veneranda, que pode ler-se nesta peça, deve
entender-se como resultado de mera etiqueta institucional porque, da minha
parte, de modo nenhum traduz o que normalmente significa.
O
hábito de lidar com alguns magistrados cria imunidade a patologias do foro
mental. Como o psiquiatra foge a disputar com o paciente para não ser enleado
pelo seu discurso febril, já que delírio não é dialéctica, assim deve
comportar-se quem é castigado por algumas sentenças judiciais --- contestar
quanto baste para luz de terceiros e nunca para convencer os alienados que as proferiram.
Se
não é um caso clínico, encontramo-nos então diante de uma pérfida
monstruosidade. Perturbação do juízo ou malícia, importa que fique esta
interrogação: Desembargadores, vós? --- Equívoco descomunal: só por desmesurada
ironia pode alguém dispensar-vos título de tamanha responsabilidade e dignidade,
se acaso não sois vós que o usurpais com refinado cinismo!
Do
vosso acórdão (para lhe dar um nome), podia ter recorrido para o Tribunal
Constitucional. Mas ali, quando a questão é incómoda, os Senhores Conselheiros,
com expedientes nem sempre os mais válidos, arranjam modo de não tomar
conhecimento do objecto do recurso. Tinha ainda fundamento para ir até ao
Supremo, requerendo fixação de jurisprudência. Porém, também aqui nada me tira
da certeza de que o esforço seria vão. De resto, entre os dois acórdãos
opostos, não me interessou submeter à apreciação daquele Tribunal que decidisse
qual deles devia prevalecer. O melhor teria sido rifá-los: o primeiro a sair,
resolveria o conflito criado!
Por
tudo isto, achei melhor ficar quieto. Quieto perante certas instâncias que já
não colhem nem o meu crédito nem o meu respeito. No mais, continuarei a reagir
proclamando bem alto o mísero estado a que alguns magistrados reduziram a
Justiça neste desgraçado Portugal. Denuncio o mal e provo-o as vezes que me
pedirem. Só não vê isso quem foi atacado de demência, ou então os que estão
possessos de ruindade e se revolvem nas chamas do ódio.
Entre
a população portuguesa, é cada vez maior o cepticismo relativamente aos
Tribunais. Venho insistindo na nota de que a sociedade está gravemente enferma.
Não há mal que não mostre. No entanto, são três os principais cancros que a
roem: a Comunicação Social, que tudo distorce e envenena; a Banca, fonte
pródiga de corrupção; e bom número de magistrados judiciais, desse grémio que
esperávamos remédio e salvação da res publica, mas onde, por desventura
nossa, campeiam os que se revelam incapazes de actuar. Isto quando não procedem
acintosamente contra a recta ordenação do Direito, sinal da avariose instalada
numa jurisprudência que há muito virou costas à ars boni et aequi.
De
Josué a Saul, os Juízes foram os chefes do povo eleito, dotados de grande
carisma e suscitados por Deus nos momentos críticos da vida de Israel. Ao longo
dos tempos e em todas as culturas, sempre foi sentida a necessidade de figuras
de referência e de autoridade no governo, duas coisas que hoje escasseiam ou
faltam de todo.
As
funções daqueles heróis bíblicos não eram propriamente as mesmas que estamos
habituados a ver nos modernos juízes. Mas nem só nisso se distinguem. A
diferença principal reside no contraste entre uns e outros, marcado pelo valor
e aceitação dos primeiros, em oposição aos últimos, os quais, salvo raras
excepções, são fracos em qualidade e pouco ou já nada colhem da consideração
social.
Senhor
Desembargador e Senhora Desembargadora!
Cada
vez fica mais a nu aquilo que sois e há muito eu sabia. Tanto despautério só
pode transpirar de quem pertence a seitas ocultas, ou por qualquer outra via se
acha dependente dos que adoram nas aras sacrílegas desses antros de perdição.
Haveis de morrer sufocados na raiva infernal que destilais!
Os
Tribunais já não têm poder de censura uns sobre os outros, segundo a disposição
hierárquica que nos acostumámos a ver observada e que, formalmente, continua em
vigor. Desde há bastante tempo que as regras são composições e arranjos, de
acordo com o ditado pela obediência a uma voz discricionária, nascida nem os
seus executantes sabem onde, mas que é cegamente cumprida.
Pertenceis
ao Tribunal de uma Relação. Relação de quê ou a quê? Relação de Justiça ou aos
seus princípios não será certamente, porque o pretenso acórdão que lavrastes,
se não foi a mais rematada maldade, é um arremedo de jurisprudência e, como
tal, não deve ser levado a sério. Talvez se situe na hipótese de farsa
inoportuna a resposta que se encontra mais perto de explicar tanto desconchavo,
porque não é de excluir que sejais aquilo em que, para dar título a uma das
suas obras, Jean-Paul Sartre provavelmente se teria inspirado, se vos houvera
conhecido.
Perversos
ou simplesmente ineptos, não vos tenho ódio, nem vos guardo rancor. Da
indignação que já senti, passei ao desprezo. É tudo o que mereceis!
Convosco
não se pode discorrer juridicamente, porque não cultivais a ciência do Direito.
Se quero crescer neste ramo do saber, bato à porta dos Oficiais de Justiça: são
mais instruídos, e sobretudo tive quase sempre a felicidade de me cruzar com
gente de boa fé. Fora disto, é o deserto com alguns oásis semeados aqui e além,
e muitas miragens pelo meio!
Joaquim Maria Cymbron
Obs.: Este texto tem como fundamento
próximo o recurso penal que subiu ao TRC, e que foi interposto no P. 404/09.3 TARGR. O acórdão nele proferido constituiu
as fls. 532 e ss. daqueles autos.
JMC
Sem comentários:
Enviar um comentário